O chip cerebral da Neuralink — Foto: Arte O GLOBO RESUMOSem tempo? Ferramenta de IA resume para você
O chip cerebral da Neuralink — Foto: Arte O GLOBO
GERADO EM: 27/11/2024 - 14:45
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Da política internacional aos avanços tecnológicos,um nome tem aparecido repetidas vezes nas páginas dos jornais: o do bilionário Elon Musk. Dono de empresas como Tesla,SpaceX e X,o empresário foi anunciado pelo presidente eleito dos Estados Unidos,Donald Trump,como futuro chefe do Departamento de 'Eficiência Governamental' dos EUA,cargo inédito na Casa Branca. No campo da saúde,porém,Musk não tem ficado de fora. O magnata busca revolucionar o cenário dos implantes cerebrais com a Neuralink.
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No último dia 20,a empresa anunciou o aval da agência reguladora canadense para testar seu implante em pacientes com tetraplegia. O objetivo é avaliar se eles conseguem,apenas com a força do pensamento,movimentar aparelhos externos,como um braço robótico. No início do ano,o “chip” foi inserido pela primeira vez em um paciente paralisado,nos EUA,que conseguiu mover um cursor na tela e utilizar um computador apenas com o cérebro.
O implante de Musk faz parte de um campo da ciência chamado de interfaces cérebro–computador (BCIs,da sigla em inglês). São aparelhos que buscam registrar a atividade cerebral e decodificá-la para controlar um computador,um braço robótico,um celular ou outros dispositivos pela mente. A ideia é devolver habilidades motoras e de comunicação para pessoas que sofrem com formas graves de paralisia.
— Esses implantes ficam na superfície do cérebro,o córtex,que é a região em que você consegue ler os movimentos que a pessoa tenta fazer. Se você levantar o braço direito,por exemplo,xiste uma comunicação entre os neurônios que ocorre através de pequenos disparos neuronais e emite o comando. O implante consegue “escutar” essa conversa. Para uma pessoa que ficou paralisada,consegue entender se ela quer levantar o braço. Essa ideia é brilhante porque você dá funções novas para uma pessoa que perdeu determinadas habilidades — explica Rubens Cury,neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Faculdade de Medicina da USP.
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O chip da Neuralink não é o primeiro BCI a sair do papel,tampouco é o pioneiro a entrar na fase de estudos com humanos. Porém,tem se destacado principalmente por dois fatores. O primeiro é por ser ligado ao bilionário,que promove uma intensa campanha de marketing sobre o dispositivo. O segundo é que o modelo de fato é mais sofisticado do que os anteriores: conta com 1.024 eletrodos distribuídos em 64 fios,organizados em um pequeno implante do tamanho de uma moeda.
— Eles conseguiram miniaturizar o sistema de tal maneira que consome pouca bateria então o tempo de vida do equipamento sem precisar recarregá-lo é longo. E ele não precisa de cabos. Porque o que se fazia antes era inserir uma bateria no peito da pessoa e puxar um fio por debaixo da pele até o dispositivo. Mas no sistema dele tudo está encapsulado no único implante,que fica direto no crânio da pessoa. Isso facilita e torna o equipamento menos invasivo — explica Claudio Queiroz,professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que a promessa da Neuralink é de fato interessante,e que a ciência caminha para que,em breve,implantes que transformem a vida de pacientes gravemente paralisados sejam parte da realidade. No entanto,eles demonstram cautela com a falta de transparência dos estudos conduzidos pela empresa de Musk e com falas já proferidas pelo bilionário que defendem um futuro em que até pessoas saudáveis seriam beneficiadas por um “chip cerebral”.
— O Elon Musk de fato tem feito coisas incríveis de tecnologia,mas sempre há muita publicidade. Os resultados que foram mostrados até agora são muito preliminares. O primeiro paciente no começo desse ano foi anunciado com muita pompa,mas até agora não temos os registros oficiais desses pacientes,nada publicado em revista científica. A última coisa que vi sobre era que as conexões tinham sido perdidas. O organismo pode reagir,e encarar o implante como um corpo estranho — diz o pós-doutor em Neurofisiologia Luiz Eugênio Mello,diretor de pesquisa e inovação do I’DOR e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Chip de Elon Musk promete conexão com dispositivos eletrônicos pelo pensamento. — Foto: Reprodução / Youtube Neuralink
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Em maio,a Neuralink disse que,nas semanas seguintes à cirurgia,parte dos fios se desprenderam do implante,diminuindo o número de eletrodos ativos. Informações de bastidores citavam que o número respondia por 85% dos fios. Porém,a empresa afirmou ter feito modificações no algoritmo e na sensibilidade para compensar a perda.
— Há pessoas que acham que o processo com a Neuralink está sendo mais acelerado do que deveria. Não houve muita transparência sobre os estudos com animais,e já conseguiram rapidamente aprovação para testes em humanos. Geralmente esses processos são mais longos. O maior problema ético que se vê é essa velocidade. Outro ponto é que,embora a FDA (agência reguladora dos EUA) tenha aprovado o estudo,não há muitas informações sobre eles disponíveis. Então é uma ausência de transparência muito grande que incomoda — diz Cury.
Em relação à possibilidade de o “chip” de Musk ultrapassar o uso por pacientes com paralisia e chegar a indivíduos saudáveis,especialistas veem com preocupação e se dividem sobre a chance de esse cenário de fato se concretizar. Ao falar abertamente pela primeira vez sobre os avanços da Neuralink,em 2019,o bilionário disse que “em última instância,e isto vai parecer muito estranho,(o objetivo é) conseguir uma espécie de simbiose (do homem) com a inteligência artificial”.
— O propósito é que mesmo pessoas saudáveis consigam controlar aparelhos pelo pensamento. Utilizar um computador,escrever um e-mail,mexer na sua televisão,sem precisar se mover. Existe essa perspectiva para o futuro de que seja possível comandar as máquinas ao nosso redor apenas com a força do pensamento — diz o neurologista João Brainer,membro da Academia Brasileira de Neurologia e professor de Informática e Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Para Queiroz,a realidade de “simbiose com IA” é difícil de imaginar: — Do ponto de vista sobre o que sabemos hoje do sistema nervoso,sugerir,mesmo que de maneira bastante especulativa,uma melhoria da cognição humana por implantes acho muito pouco provável,para não dizer impossível.
Cury,da USP,entende que desafios éticos surgirão ao longo do tempo: — Se um dia o implante melhorar a performance motora de um corredor,ampliar a memória de uma pessoa. Até onde vai esse limite? Isso são discussões filosóficas que vão surgir lá na frente. Será que isso pode potencializar a leitura de neurônios e a pessoa ter um raciocínio mais veloz? Mas isso não é uma polêmica da Neuralink,é algo global da interface cérebro-máquina.
Chip de Elon Musk promete conexão com dispositivos eletrônicos pelo pensamento. — Foto: Reprodução / Youtube Neuralink
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Para que os implantes comecem a fazer parte do dia a dia de diversos pacientes ao redor do mundo que sofrem com paralisia grave,os médicos explicam que há alguns desafios,entre eles o de confirmar a segurança dos dispositivos.
— Um problema é a sobrevivência do implante ao longo do tempo,se vale a pena. Sempre que você coloca um objeto estranho no cérebro você tem uma reação. Existem células do sistema nervoso,que não são neurônios,que podem reagir e produzir uma inflamação — diz Queiroz.
Brainer explica que,devido a esses riscos,o caminho no futuro é que seja possível ler a atividade dos neurônios de forma menos invasiva: — O que estamos progredindo hoje é para realizar movimentos cada vez mais refinados,específicos,como mover um dedo,e com aparelhos menos invasivos,que demandem menos intervenções cirúrgicas,como toucas que você coloque apenas por cima da cabeça da pessoa ou acoplada à pele.
Ainda assim,o neurologista acredita que não vai demorar muito para que os primeiros dispositivos do tipo avancem nos testes clínicos e cheguem ao mercado: — Falando do Elon Musk,acredito que dentro de 10 anos já vamos ter algo comercial disponível. Então não falo de décadas,mas de década. Só que faltam ainda testes grandes e em pessoas diversas. Porque existem níveis de escolaridade diferentes,velocidades de processamento cerebral diferentes,níveis distintos de amadurecimento,como adolescentes e idosos,pessoas com transtornos mentais,então a população é muito heterogênea e é preciso avaliar isso em larga escala.